- Que livro é esse aí na sua mão?
- O Segredo.
- Ah, esse aí que é aquele livro que promete sucesso e dinheiro para pessoas fracassadas?
- Cada um olha as coisas pelo ângulo pelo qual lhe é mais familiar…
- Você conhece alguém que ficou rico lendo esse negócio aí?
- De certo modo, sim.
- Ah, então ele guardou muito bem esse segredo, não é?
Meu Deus, esse homem deve sofrer, parcialmente, de paralisia facial. Ele só sorri com um dos cantos da boca… – pensei.
- Senhor taxista, pode dar-me um cartão seu? Quero sempre usufruir dos préstimos de um profissional bem sucedido.
O “sincero-man”, uma espécie de versão maligna de Jorge Kajuru, rasgou a ponta de um pedaço de um exemplar da semana passada do Metrô News – jornal de distribuição gratuita de São Paulo – rabiscou uns garranchos e estendeu para mim.
- Vitório Bom Sucesso?
- É o meu nome.
- É por isso que o senhor despreza tanto esse livro… com um nome desse, quem precisa?
- Esse seu livro é excelente para ficar rico. Os autores ganharam bastante dinheiro com ele.
- Algumas pessoas da minha família também.
- Você tem família?
- Ué! Por que a surpresa?
- Pela sua cara de infeliz, achei que não tivesse.
O trânsito de São Paulo estava aquela maravilha de sempre. E eu, morrendo de vontade de fazer o que mais ninguém pode fazer por mim…
- Senhor Bom Sucesso, eu preciso tirar água do meu joelho, vou aproveitar que está tudo parado e ir naquele jardinzinho ali.
- Vai lá, meu caro, porque por mais que seja grande a sua força de vontade, o universo não trará um banheiro até você.
Comecei a forçar o trinco da porta do Fusca, que parecia emperrada.
- Vai! Com força e pra cima!
- É isso aí, senhor Bom Sucesso!
- Ahahahaha… não se empolgue, moço. Estou referindo-me ao trinco. Você está mesmo fissurado nesse livro. Que dó de você…
Fica difícil concentrar-se numa atividade tão natural para o ser humano, quando alguns engraçadinhos, que estão parados no trânsito, querem divertir-se às suas custas, gritando da janela do carro, se você pretende que naquele jardim nasça um pé de erva mate quente, pronto para beber, tendo em vista a temperatura da água com a qual as plantas estão sendo regadas. Ah, vai pro inferno.
- Pronto, seu Vitório, toca o barco.
- Pra falar a verdade, até que eu acho os livros de autoajuda uma boa. De repente, se a pessoa não tem dinheiro pra pagar uma psicóloga e não tem com quem conversar… a autoajuda pode estar ajudando.
- Eu li alguns livros que ensinam a arte de enriquecer e consegui amealhar cem mil reais, em dois anos, aplicando na bolsa de valores.
- Ah, isso funciona mesmo. Sempre que a minha mulher enche o meu saco, dizendo que está com dor de cabeça, eu dou uma pílula de farinha pra ela e ela fala que está bem melhor.
- Geralmente, as coisas estão na frente do nosso nariz e não a percebemos. Alguns profissionais escrevem livros para ajudar-nos a ver isso.
- Está certo. Sua riqueza existe, mas está no mundo espiritual, por enquanto. É isso que os autores do livro ajudaram você a perceber?
- Há muito o que se refletir sobre suas palavras, seu Vitório. Vou pensar nisso, hoje, enquanto estiver tomando banho.
- Você toma banho?
- Hoje, eu pretendo, se conseguir chegar em casa antes das dez da noite porque estou morrendo de sono.
- Está certo, meu filho, de vez em quando é bom…
- Como assim de vez em quando?
- Não tente tapar o sol com a peneira, rapaz. Fica tranquilo, você está mostrando-se coerente. Ficar um tempo sem tomar banho é uma boa técnica. Você deve se sentir importante quando, enfim, toma.
- O tempo é muito escasso: ou eu limpo a minha casa ou eu tomo banho.
- É um problema fácil de resolver: como você tem cara de quem vive em marte, deve ficar pensando na morte da bezerra e demorar no banho. Então, é só deixar a porta do seu banheiro aberta. O vapor do chuveiro não vai deixar a sua casa brilhando, mas vai dar uma boa limpadela. Como eu suponho que a sua casa deva ser pequena, o vapor vai abranger todos os cômodos. Melhor do que nada pra quem vive no chiqueiro.
- Eu já faço isso. Tomo, sempre, banho com a porta aberta.
- porque está quebrada. Eu aposto.
- Senhor Vitório, eu vou descer aqui mesmo. Foi um prazer conhecê-lo.
- O prazer foi todo meu, amigo.
- Ops, desculpe-me por ter pego na sua mão, esqueci da paradinha que o senhor deu pra mim.
- Não é uma falha difícil de se perdoar, se eu pensar que também não devia estar cumprimentando você.
Ao lado do câmbio, pude ver uma revista pornográfica da década de 60.
- Como o senhor faz para não imaginar que essas mulheres já são avós?
- Uma bela mulher será sempre uma bela mulher.
- Principalmente quando congelada em uma imagem de fotografia, senhor Bom Sucesso.
- Ei, não diga isso. Elas merecem respeito. Como você mesmo lembrou, são senhoras, mães de família.
- Com filhos que dirigem táxi.
Escrito por Marcelo Garbine
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