Não era como se ele esperasse por isso. Mal sabia o que estava fazendo enquanto rolava de um lado a outra da cama na esperança de que pudesse dormir. A noite gelada afagava sua pele, que se enroscava num fino lençol de algodão. O livro era sobre algo sobrenatural, surreal e que lhe havia prendido toda a atenção... Mas de fato não era como se ele esperasse por isso. Queria dormir, teria um dia cheio ao amanhecer e pensar nisso o deixava preocupado. A luz de seu quarto estava acessa, e de fato receara que não dormiria naquela madrugada uivante.
Ouvira algo tremelicar vindo da cozinha, um arrastar de pés um pouco abafado que lhe fez abaixar o livro e visualizar a escuridão que tragava o restante da casa. “Que bobagem”, pensou. Voltara à leitura, seu sono já havia fugido tão tresloucado quanto sua obstinação por ter algo surreal na madrugada. Seus olhos eram rápidos e sagazes, por mais que tivessem com um leve pesar sonolento poderiam ser bastante fiéis, e o garoto constatou que viu um vulto... Algo semelhante a um tremeluzir de uma chama presa ao pavio de uma vela; estava abobadado, de fato. Não ligara, era como se desse crédito ao silêncio pelas peças pregadas enquanto todos dormem... Continuou a leitura, o jovem rapaz do livro estava prestes a descobrir seu paradeiro quando um gato soltou um rangido gutural fazendo a leitura cessar. Eram dois gatos na verdade, a eloquência animalesca que se instaurou em seu telhado não deixava dúvidas... “Estariam eles cantando uma ópera para a lua?”, mas pouco importava, queria voltar à leitura. Faltavam poucas páginas, e estava confiante que terminaria aquele livro naquela mesma noite.
Enterrou a cara nas páginas, estava decidido. Ouviu o som da noite se aflorar pela casa, pela rua... Ouviu o rodar baixo de um caminhão que se perdia na estrada lá fora e logo após erguer a cabeça, fechando o livro, suspirou e viu que era dia. Um belo dia anunciado pelo canto dos pássaros, pelos raios do sol querendo invadir as frestas e pelo silenciar lunar dos gatos cantores. Havia de fato lido aquele livro numa única noite, mas pareceu mais intrigado com os sons, ruídos e comunicações que a escuridão podia simular. No fundo, tinha a ligeira impressão que alguém, ou ninguém, o observava enquanto lia. Mas seria louco se dissesse isso. Apenas levantou, viu o sol, viu o dia... E percebeu que fora apenas mais uma noite, mais um dia, e que tudo se repetiria outrora.
Escrito por Pedro Izídio
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